A carreira de
José começou precisamente da mesma forma que acabou: alguém achou que o
Ginola de bolso não valia a pena.
Mas como? Afinal, estamos a falar de um dos mais emblemáticos jogadores lusos dos anos 90, e simultâneamente um pequeno Deus em Inglaterra, terra de
big balls e
small brains.
Vamos lá, então. Mantenham por favor o ênfase na palavra "
pequeno", pois foi por causa da sua diminuta estatura que o
José se viu dispensado do Benfica de
William em 1993, após uma época emprestado ao bem-aventurado Sintrense. Porém, José caiu de pé.
A chuvosa e desinteressante
Birmingham foi quentinha e acolhedora o quanto baste para este jovem lisboeta, ansioso por moldar a plasticidade do futebol a seu bel-prazer, manuseando a redondinha com a alegria de um Eduardo Mãos de Tesoura a cortar a mullet de
Skuhravy.
Velocidade, destreza, facilidade em limpar o cotão por baixo da cama, criatividade e repentismo foram algumas das qualidades que tornaram o público inglês e dois coelhos em fãs acérrimos de
José.
As críticas positivas sucediam-se e o modesto
Birmingham já estava a um passo da Premier League inglesa, após a meteórica ascensão nas asas do pardalito luso, que voava graciosamente entre os desajeitados bisontes da Velha Albion.
Mas se pensavam que o
Sporting de
Queirós e
Palmelão estava a dormir, enganam-se. No
Sporting não se dorme, o que explica as olheiras de
Afonso Martins e
Nuno Assis.
Os responsáveis leoninos viram em
José um extremo capaz de fazer miséria aos Sábados e não descansar aos Dominguez, e partiram também eles destemidos para a sua aquisição.
Dominguez era finalmente Leão - e
Leão era do
Salgueiros (na verdade, iria rumar a Alvalade em 1997, mas eu paro com os trocadilhos fáceis).
De volta à sua terra natal, o sol parecia brilhar para
José. Infelizmente eram apenas as luzinhas das sapatilhas novas do
Mauro Soares, que as comprara por 1.500$00 na Feira do Relógio, mas como o
José é muito baixinho, nós compreendemos a confusão.
De qualquer forma, o Mundo parecia novamente um episódio da Rua Sésamo. Muitas cores, sorrisos, felicidade e pessoas com 1,20m.
José vivia a melhor fase da sua carreira até ao momento. Assumindo o papel de suplente de luxo, o
Zé Bala entrava para destruir o que restava do ego dos laterais adversários, fazendo gala da sua velocidade supersónica, drible apostólico e falta de objectividade divina.
Em
Alvalade, era mais popular que o courato, principalmente quando formava a
disfuncional ala esquerda com o imortal
Vujacic.
Mas nem tudo eram rosas,
tulipas e
Chipendas para o nosso diminuto herói. A partilhar o balneário (entre outros sítios) com ele tinha a nemesis de Rei Artur -
Ricardo Sá Pinto - e o enfant terrible da nossa bola, o
new kid on the block Dani.
Juntos formaram uma clique que ficou conhecida como
"Os Três Mosqueteiros":
-
Athos/Sá Pinto é um nobre de alma pura (o menino da Foz) que carrega um terrível segredo, decorrente de um casamento mal fadado com Milady Arthur George.
-
Porthos/Dominguez é a personagem alegre e vaidosa. A sua "catchphrase" é
"O cabelo é a estrela. Eu só ando por baixo dele."-
Aramis/Dani é o playboy talentoso. Falso, mas extremamente amigável. Tenta esconder os seus inúmeros romances dizendo estudar ou jogar à bola com os compichas.
As suas incursões pela vida nocturna ficaram famosas. Os
Três Mosqueteiros viviam intensamente as noites loucas de Lisboa, frequentando as discotecas mais
"in" e alguns estábulos.
Eram tempos de folia desbravada. Tornaram-se companheiros de festa dos deuses do rock
Delfins, cantando juntos melodias de amor com gelados Epá e copos de leite morno de permeio. São lendárias as cenas de pancadaria e violência com os rivais
Pólo Norte na
Big Cansil, todas as primeiras quintas-feiras do mês. As mulheres eram uma perdição e sentiam-se atraídas por este trio como uma deserta bancada por um cruzamento de
Nenad ao terceiro poste.
Os três jovens estraram numa imparável espiral de decadência, chegando aos treinos de directa, vestidos com lingerie de mulher, ou não chegando mesmo. O bafo a limonada e marcas de batôn no cabelo indiciavam aquilo que toda a gente já sabia, mas não queria ver:
as montagens de sequências desportivas com rock dos anos 80 em filmes tipo Rocky IV são foleiras os
Três Mosqueteiros tinham de ser separados.
Octávio Machado vestiu a pele de Cardeal Richelieu e destruiu o trio para sempre, na tentativa de salvar a carreira destes indomáveis jovens e o seu próprio emprego.
Ricardo foi socar treinadores para o País Basco,
Daniel foi hipnotizar bifas para Amsterdão, enquanto
Zé foi passear o seu penteado pós-grunge para Inglaterra.
Sozinho em Londres,
José Dominguez não demorou muito até se tornar numa estrela. Ainda mal tinha pisado o relvado de
White Hart Lane (ou sido pisado por um colega 30cm mais alto), e já tinha batido um record:
o jogador mais baixo da história da Premier League, do alto dos seus 1,60m. A sério, esta parte nem sequer é no gozo. Consultando a
tabela que o site da Premier nos oferece, observo também que
Clint Marcelle é o 5º classificado da mesma.
Representin' Portugal, b-atches!Mad props!
Claro que com este cartão de visita, o caminho já estava meio trilhado, e a locomotiva liliputiana tinha como destino a estação da imortalidade, com paragens nos apeadeiros da fama e da glória suprema. Tal como em
Birmingham, o português arrebatou o coração dos adeptos ingleses, qual destemido cupido sem pejo de partir para o drible no 1 contra 4.
Mas essa mesma forma destemida e por vezes descabida de conduzir a bola acabou por conduzir os responsáveis do clube inglês contra si: o futebol inglês implora por objectividade como
Mihaylov suplica por um capachinho, deixando José em maus (e pequenos) lençóis. Começava a esgotar-se o tempo do lusitano em Londres, como um relógio barato depois de ir à água. A pouco e pouco ia-se apagando. Começava a atrasar-se cada vez mais. Fraquejava. Até que foi relegado para a gaveta dos maus relógios (leia-se "reservas"), sendo utilizado apenas quando combinava com uma ou outra fatiota especial de
Dominguez Domingo.
Chutado sem apelo nem agravo para a terra de
Backhühnchen, Schweinebraten, Rinderbraten, Sauerkraut e
Dampfnudeln, Zé Bala tentou reanimar a sua carreira pela terceira vez ao serviço do Kaiserslautern, mas os problemas de sempre persistiram. Foram quatro anos a driblar junto da linha de meio-campo, a tentar o 1 contra 6, e a mostrar qualidades artísticas sempre que sofria uma falta, rebolando 15 vezes sobre si mesmo como se tivesse sido atingido por uma caçadeira apontada pelo olho clínico do
trinco/coveiro Amaral. O resultado foi o do costume: os adeptos adoravam-no, os responsáveis do clube nem por isso. Rua com ele.
Seguiram-se o
Qatar e o
Brasil, já numa tentativa desesperada de encontrar um futebol que se baseasse na anarquia e no desprezo profundo por todos aqueles que apregoam que a táctica e o senso comum têm lugar na bola moderna. Também não foi desta. Aos 31 anos, o último romântico pendurou as botas por não haver futebol que o compreendesse.
Posteriormente, tentou jogar à redondinha na praia, mas nem sequer os largos anos de experiência como
brinca na areia certificado chegaram para encontrar o seu lugar como novo artista à beira-mar. Uma vez mais incompreendido.
Mas aqui estás entre amigos.
José, aqui és compreendido. E não é só aos
Dominguez.